Avaliação formativa
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011 by Reciclagem de Artigos in

o que observar, o que avaliar, para que avaliar?
Denise Maria Milan Tonello1
Passados os três primeiros meses em que as crianças de 6 anos ingressaram no Ensino Fundamental de nove anos, os professores, talvez,possam sentir-se aflitos, pensando em criar situações de avaliação para mensurar ou, melhor, medir o que as crianças aprenderam ou deixaram de aprender, baseados, inclusive, nas propostas realizadas até então, nas séries iniciais dos anos anteriores. No entanto, é sempre importante lembrar que crianças nesta faixa etária encontram-se numa fase de transição entre as características e conquistas da primeira infância e as do período escolar.
Criança ainda é criança!
O ingresso da criança no Ensino Fundamental I, já aos seis anos de idade, precisa ser muito acolhedor, assim como fazemos na Educação Infantil.
É preciso compreender que as crianças que ocupam esse espaço social –escola – estão em processo de construção de identidades e, por isso,aprendem sobre a sociedade, sobre os outros e sobre si próprios.
Os educadores, portanto, precisam investir tanto na dimensão cognitiva, quanto afetiva do desenvolvimento. Não podemos considerar que a criança
“cresceu” e, então, não precisa de carinho e atenção, como também não podemos apenas cuidar e acolher, sem refletir nos desafios necessários para que todos possam avançar cognitivamente.
Por isso, Sole (2004, p.53), no documento editado pelo MEC em 2006, reitera que não se trata de compartimentos estanques. À medida que meninos e meninas se mostram mais competentes na área cognitiva, suas possibilidades de inserir-se socialmente aumentam, bem como as relações interpessoais que podem estabelecer; e tudo isso muda a maneira como vêem a si mesmos.

Por outro lado, se eles adquirem mais segurança nas relações, perdem o medo de errar, se lançam mais e,conseqüentemente aprendem mais.
Neste sentido, é fundamental que o educador, ao planejar cada situação didática, reflita sobre seu grupo e seus alunos, considerando o desenvolvimento cognitivo e afetivo da faixa etária, além de contemplar características culturais e individuais que as crianças socializam nesse espaço que é coletivo.
O que entendemos por avaliação?
Como já havíamos salientado em nossa coleção, trabalhar para a inclusão da criança que ingressa no primeiro ano do Ensino Fundamental supõe também trabalhar com todas estas características, só que vistas como potencialidades. E o que isso significa?
Significa, por exemplo, considerar que as crianças nesta faixa etária enfrentam a mudança de uma fase de pensamento mais egocêntrico, no qual ainda é difícil sair do seu ponto de vista e lidar com relações, conceitos e processos cognitivos cada vez mais sofisticados. Justamente por isso é sempre muito importante pensar na utilização de materiais concretos para que as crianças possam experimentar diferentes hipóteses e construir suas aprendizagens.
E para que o professor participe dessa construção de conhecimento significativa, precisa, de fato, reconhecer necessidades características da faixa etária com que atua, respeitá-las, além de tentar perceber as possibilidades e potencialidades de cada uma das crianças de seu grupo.
Mas, então, como e o quê avaliar?
Por tudo isso, as situações de avaliação não devem ser isoladas, mas sim, devem fazer parte de um processo, iniciado desde os primeiros dias de aula. Estamos, portanto, falando de uma avaliação formativa, da avaliação como acompanhamento de um percurso de aprendizagem, sempre mediado pelo conteúdo (o que a criança aprende), mas também pelo sujeito (como cada criança aprende). E, então, precisamos considerar que conteúdo e sujeito não estão dissociados, ou seja, um sempre depende do outro.
A primeira conclusão a que podemos chegar é a de que as situações de avaliação não precisam ser criadas para avaliar e medir o que a criança ainda não conseguiu aprender, mas sim para analisar intervenções adequadas que contribuam para o avanço de cada uma delas. Consideramos que, aos seis anos (e também em outras idades), as crianças diferem entre si no modo como aprendem. Qualquer situação de avaliação deve, portanto, fornecer possibilidades de execução para que todas elas possam realizá-las de acordo com o nível em que se encontram.
E se não nos esquecermos que a aprendizagem de qualquer conteúdo é um processo que se dá na interação entre os alunos e, entre professores e alunos, nas atividades de avaliação desse mesmo processo (que também devem ser consideradas como momento de aprendizagem e não de verificação), também precisamos garantir tal interação. Tais atividades, portanto, devem ter as mesmas características das variadas propostas realizadas em classe cotidianamente; é importante compreender que o percurso da criança pode ser avaliado em situações diversas. O mais importante aqui é ter clareza do percurso de aprendizagem percorrido por seu aluno e também pelo grupo. Por isso, a avaliação que propomos aqui, é algo constante e que permite refletir sobre o conteúdo trabalhado, o modo de trabalho e os resultados obtidos. Toda esta análise implica na revisão do conteúdo e no planejamento da continuidade de atividades significativas a cada criança, que vão além das propostas de qualquer que seja o livro didático adotado. O momento de avaliação deve sempre ser encarado como um dos instrumentos do trabalho do professor e não como um fim. E neste sentido, o mais adequado é avaliar as conquistas e os avanços de cada criança, inseridas constantemente nesse processo e nesse percurso de ensino aprendizagem.

Isso, em nossa opinião, e do ponto de vista de uma avaliação formativa, não pode ser medido e expressado através de uma nota, mas sim apontado em relatórios reflexivos produzidos pelo professor e/ou portfólios que reflitam as conquistas de seus alunos.
Algumas estratégias para uma avaliação formativa
Já que estamos pensando em não avaliar produtos, mas sim em refletir sobre os processos e percursos de aprendizagem, torna-se necessário, portanto, modificar o foco do que olhar: ao invés de observar apenas o produto da aprendizagem (respostas finais dadas pelas crianças), precisamos analisar o processo (as estratégias usadas para enfrentar os desafios). O que iremos sugerir, então, é que, ao longo de cada bimestre, os professores aproveitem algumas das atividades para:
•Obter informações necessárias para acompanhar o percurso de cada criança e do grupo;
•Apreender o modo como cada criança representa os conceitos trabalhados;
•Investigar como as crianças pensam sobre o que ensinamos;
•Pensar nas possibilidades que assegurariam a qualidade de ensino aprendizagem;
•Refletir sobre como proceder para que as crianças evidenciem seus avanços e dificuldades;
•Analisar as respostas dadas pelas crianças;
•Buscar compreender a lógica utilizada pelas crianças na realização das tarefas propostas.
Não é suficiente, então, saber se os estudantes dominam ou não determinado conhecimento ou se desenvolveram ou não determinada capacidade. É preciso entender o que sabem sobre o que ensinamos, como eles estão pensando, o que já aprenderam e o que falta aprender.
Nessa perspectiva, os instrumentos utilizados podem ser variados, e além de diagnosticar sistematicamente a construção de saberes específicos, capacidades, habilidades e aspectos ligados ao desenvolvimento pessoal e social, servem para fazer o professor repensar sua prática, ou seja, podem ter uma dimensão formativa do docente, principalmente se ocorrem momentos coletivos de discussão sobre os trabalhos realizados pelos alunos.
Sugerimos, nas próximas seções, algumas situações que poderão ser exploradas pelo professor, tanto para diagnosticar os avanços, como também as lacunas na aprendizagem. Essa forma de avaliar se distancia, em muito, das que priorizam o registro de quantidade de erros que as crianças cometem quando escrevem textos, ou das práticas em que são feitas as contagens de quantidade de questões que conseguem responder de forma correta ou não.
Para o acompanhamento e análise de qualquer processo de evolução, é fundamental fazer um arquivo das produções mais significativas dos alunos no decorrer do ano.
Por último, é importante salientar que a prática desse acompanhamento sistemático, realizada muitas vezes a partir do que chamamos de sondagens, deve ser sempre proposta de maneira significativa. Ou seja, o professor deve pensar em propostas relacionadas aos projetos desenvolvidos, ao longo de cada bimestre, ao invés de criar atividades “fictícias” apenas para este fim.
Por exemplo, se o professor sugere que as crianças registrem uma solução para determinada situação-problema do cotidiano (“o que você faria se ficasse perdido na praia?”), poderá “avaliar” a fase da escrita em que seu aluno se encontra, mas também todo o raciocínio lógico-matemático, a coesão e a coerência da resposta. Desse modo, poderá, ao longo de cada período, perceber os avanços e as lacunas a que nos referimos anteriormente, além de planejar as intervenções necessárias para que os alunos aprendam.
A sondagem é um dos recursos que o professor dispõe para conhecer as hipóteses que os alunos ainda não alfabetizados têm sobre a escrita alfabética. É um momento em que o aluno tem a oportunidade de refletir enquanto escreve, com a ajuda do adulto. Mas também podemos pensar em atividades de sondagem de contagem, resolução de situações-problema, escrita de pequenos textos (até para alunos que já adquiriram a base alfabética recentemente).
No entanto, o mais importante, é que a sondagem seja acompanhada de uma leitura imediata do aluno; desse modo o professor poderá perceber se o aluno faz ou não relações com o conteúdo trabalhado e, caso faça, como estas relações estão sendo estabelecidas. Para isso, o olhar investigativo e a prática reflexiva do educador são fundamentais.
Realizar sondagens periódicas permite conhecer a evolução “histórica” das produções dos alunos; trata-se de uma avaliação diagnóstica do processo de aprendizagem que não é estática: é o retrato do momento em que foi realizada e pode mudar, inclusive, de um dia para o outro.
As sugestões a seguir são atividades pensadas a partir desses parâmetros e insistimos, devem ser realizadas periodicamente, e não apenas ao final do bimestre.
Ainda, concordamos com Hernández (2000, p. 166) que, em sua definição sobre portfólio, explicita, também, que numa avaliação formativa é preciso considerar:
Um continente de diferentes tipos de documentos (anotações pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências dos conhecimentos que foram sendo construídos, estratégias utilizadas para aprender e a disposição de quem o elabora para continuar aprendendo.
Denise Maria Milan Tonello, Pedagoga da Universidade de São Paulo, Coordenadora e
Assessora de Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental I, em escolas particulares de São Paulo.


Bibliografia
MEC – Ensino Fundamental de nove anos: Orientações para a inclusão da
HERNÁNDEZ, F. (1998) .Transgressão e mudança na educação: Os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed.
HERNÁNDEZ, F. (2000). Cultura visual. mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed.