Estudar não é apenas ler. O fato de ser ter devorado com avidez um livro - seja por achá-lo interessante, seja por se ter pressa em dar conta de seu conteúdo - não significa tê-lo estudado. Esse tipo de leitura é, ainda, superficial. Em geral, tira-se pouco proveito de imediato e, caso não se retorne ao texto, muita coisa se perderá alguns dias após a leitura.
Estudar é bem diferente. Significa compreender o que se leu meditar sobre os pontos principais, reter o fundamental. Por isso, o estudo requer tempo bem maior que a simples leitura. Mas seus resultados são mais profundos e duradouros.
O estudo exige várias leituras. Num primeiro momento, é importante fazer uma leitura geral, atenta, para se ter uma visão de conjunto do texto. Geralmente, essa primeira leitura suscita a necessidade de consultar o dicionário, ou anotações de aulas/palestras, ou até mesmo outras obras que estejam ao alcance e que sejam importantes para o entendimento do texto. No entanto, não convém interromper a leitura para essa consulta, salvo nos casos em que o desconhecimento de algum termo ou fato comprometa a compreensão geral, tornando impossível ou muito difícil o prosseguimento do estudo.
Mas, mesmo durante a primeira leitura, é útil assinalar as passagens consideradas mais importantes e fazer anotações (no próprio texto e às suas margens). Isto nos permite voltar com maior facilidade aos pontos principais ou nos chama a atenção para a necessidade de retomar/aprofundar idéias expressas pelo autor. É importante, então, termos sempre lápis e caderno à mão, para assinalar ou anotar palavras desconhecidas, trechos importantes, dúvidas que surgem, pontos a serem pesquisados em outras fontes, etc...
Num segundo momento, volta-se ao texto, agora para uma leitura mais pausada, buscando sua compreensão, parágrafo a parágrafo, localizando as idéias principais e as secundárias, tentando reconstruir o processo do pensamento do autor e captar a estrutura do texto.
Num terceiro momento, cuida-se da interpretação do texto, buscando explicitar os pressupostos que justifiquem a posição do autor, fazer comparações e associações das idéias contidas no texto com outras do mesmo autor e de outros autores; formar opinião e tomar posição diante das idéias o autor. Neste caso, à volta ao texto não será necessariamente uma nova leitura (parágrafo a parágrafo), mas um reportar-se apenas aos trechos ainda não totalmente entendidos, ou aos que contenham idéias centrais ou aos que mais chamaram atenção.
Depois da interpretação vem o quarto momento, o da problematização, que consiste no levantamento e discussão de questões explícitas e/ou implícitas no texto. Finalmente, a síntese pessoal, o quinto momento: a retomada do texto, com discussão, reflexão, crítica e tomada de posições pessoais.
Esses dois últimos momentos poderão ou não exigir nova(s) leitura (s) do texto como um todo (ou trechos), dependendo de como se desenvolveram os momentos anteriores e do registro que deles foi feito, e variando, também, conforme o grau de complexidade do texto.
Os momentos que se sucedem à primeira leitura exigem mais que as assinalações e anotações feitas no próprio texto ou às suas margens. Requerem um registro mais sistematizado, através de fichamento, resumos, resenhas.
Podem-se destacar três tipos de fichamento[1]:
1. FICHAMENTO TEXTUAL - é o que capta a estrutura do texto, percorrendo a seqüência do pensamento do autor e destacando: idéias principais e secundárias; argumentos, justificações, exemplos, fatos etc., ligados às idéias principais. Traz, de forma racionalmente visualizável - em itens e de preferência incluindo esquemas, diagramas ou quadro sinóptico - uma espécie de “radiografia” do texto.
2. FICHAMENTO TEMÁTICO - reúne elementos relevantes (conceitos, fatos, idéias, informações) do conteúdo de um tema ou de uma área de estudo, com título e subtítulos destacados. Consiste na transcrição de trechos de texto estudado ou no seu resumo, ou, ainda, no registro de idéias, segundo a visão do leitor. As transcrições literais devem vir entre aspas e com indicação completa da fonte (autor, título da obra, cidade, editora, data, página). As que contêm apenas uma síntese das idéias dispensam as aspas, mas exigem a indicação completa da fonte. As que trazem simplesmente idéias pessoais não exigem qualquer indicação.
3. FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO - consiste em resenha ou comentário que dê idéia do que trata a obra, sempre com indicação completa da fonte. Pode ser feito também a respeito de artigos ou capítulos isolados, a arquivado segundo o tema ou a área de estudo. O fichamento bibliográfico completa a documentação textual e temática e representa um importante auxiliar do trabalho de estudantes e professores.
Eis, em síntese, os passos a serem seguidos no estudo:
· LER – integralmente e com entendimento (visão de conjunto)
· IDENTIFICAR – o tema
· DESTACAR – as idéias principais.
· LOCALIZAR – argumentos, fundamentações, justificações, exemplos ligados às idéias principais.
· ANOTAR – dúvidas, impressões, associações, etc., despertadas pelo texto, bem como passagens que chamaram atenção.
· FORMULAR – questões cujas respostas se encontrem no texto e/ou questões por ele suscitadas.
· RESUMIR – construir um texto sucinto, que contenha as idéias mais importantes do texto estudado.
· ESQUEMATIZAR – elaborar um quadro ou sinopse que permita visualizar a estrutura, o planejamento do texto, expondo suas idéias centrais.
· INTERPRETAR – comparar/associar as idéias do autor (com as pessoais, do leitor; com outras do mesmo autor; com as de outros autores).
· CRITICAR – formar opiniões próprias a respeito das idéias do autor, fazer apreciações e juízo pessoal do texto.
Dependendo do tempo de que se dispõe e da familiaridade maior ou menor que se tenha com o texto ou tema, é possível deter-se em uns passos mais que em outros, ou “queimar” alguns, desde que não se perca de vista a necessidade de aprofundamento, para assimilação das idéias e adequado posicionamento pessoal. O importante é compreender todo o significado daquilo que se lê e refletir sobre o que se estuda, pois só assim é possível dele nos apropriarmos, aplicando-o de maneira viva às mais diversas situações.
Finalmente, alguns lembretes para a elaboração e cumprimento do plano de estudo individual:
1. Definir o que estudar e selecionar a bibliografia correspondente, determinando por onde começar.
2. Fazer o levantamento do tempo disponível e predeterminar um horário.
3. Cuidar para a garantia de algumas condições básicas para o estudo:
· Concentração – evitar ou procurar isolar os elementos de dispersão
· Disciplina e organização:
n Providenciar antecipadamente todo o material necessário (livro, caderno, lápis, dicionário etc...)
n Cumprir o horário planejado
n Fazer anotações e fichamento, não deixar de ler índices, prefácios, tabelas, notas de rodapé, etc...
ESTUDO INDIVIDUAL, REFLEXÃO COMPARTILHADA
Sempre que se enfatiza a importância do estudo, fala-se da necessidade de “fazer cursos”. Estes, sem dúvida, ajudam a “organizar as idéias”, traçar as linhas gerais da teoria e seus temas básicos. Contribuem para nossa formação teórica, ideológica e política, assim como palestras, seminários e outras situações de debates.
No entanto, nada substitui o estudo individual. Ele é indispensável à preparação e aprofundamento dos temas tratados, contribuindo para o aproveitamento dos cursos e participação em discussões.
É preciso, porém, empenhar-se para enfrentar desafios. Quando não se tem o hábito de estudo, fica-se impressionado ao pegar um livro. Pensa-se que só pode ser lido por quem freqüentou escola durante muitos anos. No início surgem muitas dúvidas e dificuldades, mas com o prosseguimento do estudo começa-se a compreender melhor os textos e a assimilá-los. Acima de tudo é necessário ter vontade de aprender e não desistir diante dos primeiros obstáculos.
Daí a importância do estudo individual planejado, permanente, metódico. Que tal assumir um compromisso com o estudo? E se experimentarmos encará-lo como uma tarefa a ser cumprida com o mesmo rigor que todas as outras? Para isto, nada melhor que estabelecer (e seguir) um plano de estudo individual. As dificuldades iniciais irão diminuir aos poucos, com paciência e dedicação.
Mas, convém não fechar-se em si mesmo! É melhor levar as dúvidas e dificuldades individuais para discussão no coletivo. Companheiros mais experientes ajudarão os principiantes. O plano individual terá mais resultado se conjugado a um plano coletivo. Uma boa prática é a formação de grupos de estudo, segundo o interesse por algum tema ou livro, procurando-se garantir o debate organizado, dirigido por um roteiro comum. E persistir na reflexão e no debate.
Cada grupo pode organizar sessões de estudo, na periodicidade considerada conveniente. Elege-se um coordenador e um secretário. Os participantes apresentam/discutem dúvidas, fazem comentários e decidem se devem voltar ao texto individualmente e realizar novas sessões. Quando necessário, solicita-se a presença de alguém que tenha mais acúmulo, para expor aspectos que facilitem a compreensão do texto e para auxiliar a dirimir dúvidas ou reorientar o estudo.
É importante que o grupo estabeleça prazos para divulgação dos avanços da reflexão compartilhada. Por exemplo, apresentação de seminários, produção de artigos, monografias, resenhas etc.
É este o sentido do estudo programado.
Nereide Saviani
Cf. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 2000. 21ª ed.
UM ESPAÇO ESPECIAL PARA TROCA DE NOVOS CONHECIMENTOS, NOVAS AMIZADES...
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